Já está disponível aqui a Playlist que me fez companhia na leitura de Daqui a Nada.
Já não era criança mas resistia em mim uma teimosia, uns
lábios cerrados, fendidos, uma vontade pétrea de resguardar em mim o que
só meu queria.
O talento não escolhe idades e este livro é a prova disso mesmo. Com apenas vinte anos de idade, Rodrigo Guedes de Carvalho escreve a história de Pedro numa linguagem muito semelhante à de António Lobo Antunes.
A angústia das personagens, principalmente de Pedro, é palpável. Assim como as ondas de tristeza que assomam às vidas daqueles a quem ele está ligado, especialmente a ex-mulher e a filha.
É de facto o tempo que nos falta, ou recusamo-nos a
vivê-lo, a revivê-lo, a tomar-lhe o pulso e saber o que de facto nos
aconteceu, o que teve lugar e não poderemos nunca, por maiores esforços,
apagar com a mesma facilidade com que se remove uma nódoa
comprometedora de um fato de domingo, o tempo não nos falta, mas o seu
excesso, a sua brutalidade, a sua presença, esse sentimento de
obrigatoriedade, por isso vale a pena combatê-lo, lutar pelo simples
prazer de lutar, de reagir, de protestar, como se da ingénua maneira de
enganar os dogmas impostos, os tabus, ou as mil e uma formas com que se
enfeita o proibido nascesse a força procurada, insuspeitada, de lutar
contra o próprio medo, contra a resignação, a ânsia imensa de agarrar
os dias pelos cabelos, de os obrigar a parar, a voltar para trás um
minuto que fosse (Apúlia), uma merda de um segundinho que me permitisse
ser responsável pela minha vida, uma maneira de manejar os ponteiros ao
meu ritmo.
Em Daqui a Nada, Pedro é dado como morto em 71 enquanto combatia em Angola e, ao regressar a Portugal, descobre que a esposa, Marta, teve um caso com um amigo dele. Vira então costas à família, especialmente à filha Rita, a quem deixa de ser capaz de reconhecer caso lhe passe à frente numa qualquer rua. Envolve-se então com Paula, uma mulher muito mais jovem, quase da idade de Rita, mas nem esse caso amoroso que se poderia assemelhar a uma lufada de ar fresco o faz pôr de parte a sua solidão.
Mas o mais interessante era que o facto de as coisas não
terem corrido como eu esperava não me abalou por aí além, talvez porque
tenha descoberto o primeiro filão de mistério que procurava, o primeiro
sinal de desconhecido que não controlava, daí o meu fascínio, por que
serão as pessoas assim, desprezam o que conhecem bem de mais ainda que
isso lhes seja imprescindível, renegam tudo quando uma lufada nova,
quando um desafio inesperado se vem subitamente interpor, subitamente
modificar-nos o caminho que já julgávamos delineado, se para melhor ou
pior é coisa que só o tempo se encarrega de mostrar, se para melhor
ainda bem, se para pior nunca nos acontece uma recordação
verdadeiramente amarga, nunca nos acontece um arrependimento legítimo
por transgredir a fronteira, se não fossem esses momentos de risco, às
tantas ai de nós.
É um livro pequeno mas a sua leitura requer atenção e, se me permitem, apreço pelas palavras do jovem autor (na altura). Ser-se capaz de tamanha destreza narrativa em tão tenra idade é de louvar e deve ser levado em conta. Fiquei bastante curiosa para conhecer o resto da obra de Rodrigo Guedes de Carvalho.
A minha leitura foi feita num pequeno fim-de-semana em Lisboa e deixem que vos aconselhe um dos restaurantes que visitei na altura, A Praça na LX Factory. Fiquei fascinada com a decoração e a comida é deliciosa.
Boas leituras!