Título: Britt-Marie Was Here | Britt-Marie Esteve Aqui
Autor: Fredrik Backman
★★★★☆
Perdoem-me se de alguma forma me torno repetitiva, mas depois de Anxious People, Fredrik Backman entrou para a minha lista de autores favoritos. Quando se vê cada vez mais nas redes sociais a crítica de que o mundo literário é elitista, Backman surge como uma força dentro da Literatura contemporânea sem necessidade de recorrer a frases rebuscadas ou palavras barrocas. A escrita de Britt-Marie Esteve Aqui é caracterizada por personagens tridimensionais e situações actuais e das quais devemos falar como a idade das mulheres que ainda hoje é vista como um prazo de validade, as desigualdades de género e raciais, assim como a falta de investimento nas zonas interiores e rurais de muitos países.
One morning you wake up with more life behind you than in front of you, not being able to understand how it’s happened.
Recuando um pouco, sim, a sociedade literária ainda condena os leitores de "leituras leves" e coloca os classicistas em pedestais invisíveis. Esta é uma guerra de vencidos na qual eu me recuso ser soldado - cada um lê o que lhe enche o coração. Se é verdade que existem clássicos que nos deixam boquiabertos com poesia da escrita e enredos soberbos, não deixa de ser também real que muitos dos escritores do nosso tempo têm obras tão boas ou melhores para nos oferecer. Infelizmente, e temos de reconhecer isto, existem muitas obras publicadas que não mereciam conhecer a luz do dia. E não escrevo isto por desrespeito, mas porque nem tudo o que um autor escreve é bom. Aqui culpo as editoras, com o dedo apontado em especial a Editoras Vanity que, na minha opinião, iludem pessoas com a promessa de cumprirem o sonho de se tornarem autores por um pequeno (às vezes gigante) preço para depois verem as suas obras ganharem pó depois de serem publicadas sem qualquer tipo de edição decente ou consideração pelo leitor final. São as obras pouco cuidadas na execução que trazem mau nome a livros contemporâneos. Aqui não se trata de elitismo, trata-se de profissionalismo, porque a Arte também é feita de Profissionais.
An unreasonable amount of paperwork is required these days just to be a human being.
Assim, Britt-Marie Esteve Aqui é uma obra que merece o seu lugar nas bancas. Trata de temas com os quais nos conseguimos relacionar sem que perder o tom cómico e irónico que também caracteriza a vida real. Britt-Marie é uma versão mais velha de Eleanor Oliphant que depois de dedicar uma vida inteira aos outros, à mãe que a detesta, ao marido e aos filhos do primeiro casamento do mesmo, vê-se perdida quando descobre a infidelidade do esposo. Mulher que se recusa a baixar os braços, decide tornar-se independente e vê-se de repente a aceitar o cargo de responsável pelo centro recreativo de Borg, uma aldeia com uma estrada principal e pela qual não se dá conta da existência a não ser que um viajante tenha a bexiga muito cheia e isso o obrigue a parar.
Because if we don’t forgive those we love, then what is left? What is
love if it’s not loving our lovers even when they don’t deserve it?
Oh, não, aqui vou eu falar da Roménia! Sim, um bom livro leva-nos a sítios novos, mas também cria pontes com o nosso passado e eu senti essa ligação com Britt-Marie. Hurezani era mais pequena do que Borg é descrita, mas também esta aldeia era tão minúscula que muito poucos Romenos ouviram falar dela e no entanto tornou-se a minha casa. Ao contrário de Britt-Marie, não tinha uma ratazana alimentada a Snickers como companheira, mas alimentei muitos cães abandonados que dormiam à porta do pequeno gabinete que foi concedido para o projecto de voluntariado. E tal como Britt-Marie, que celebrou com as crianças a derrota nos jogos de futebol, eu aplaudi os jovens com quem trabalhei quando ficaram em terceiro lugar numa competição de danças tradicionais e, mais vos digo, celebrámos com mais intensidade do que os vencedores. Backman relembra-nos como conseguimos adaptarmo-nos às partidas do destino e como é importante defendermos o nosso território sem nunca deixarmos de estender a nossa amizade e compaixão aos outros.
A human being may not choose her circumstances, but she does choose her actions.
Como muitas obras de Backman, Britt-Marie já passou para o grande ecrã e será uma das próximas sessões de cinema a que assistirei em breve. E, tal como devem calcular, mais livros deste autor deverão ser tema de conversa aqui no blog, porque valem a pena e, quem sabe daqui a uns séculos, não sejam também considerados clássicos.
Boas leituras!
★★★★☆
Sinopse: Não é que Britt-Marie seja uma pessoa crítica, exigente ou difícil - ela
apenas espera que as coisas sejam feitas de uma determinada forma. Uma
gaveta de talheres desarrumada está no topo da sua lista de pecados
imperdoáveis. Os seus dias começam, impreterivelmente, às seis da manhã,
porque apenas os lunáticos acordam mais tarde do que essa hora. E não é
passivo-agressiva. De modo nenhum. As pessoas é que, às vezes,
interpretam as suas sugestões úteis como críticas, o que não é, de todo,
a sua intenção. Afinal, Britt-Marie não é alguém que julgue os outros,
não importa o quão mal-educados, desleixados ou moralmente suspeitos
possam ser.
Quando Britt-Marie descobre que Kent, o marido, lhe é infiel, a sua vida
perfeitamente organizada, de repente, desorganiza-se. Tendo de passar a
sustentar-se sozinha, arranja um emprego temporário como zeladora do
centro recreativo de Borg. Nessa posição, a exigente Britt-Marie tem de
lidar com muita sujidade, eletrodomésticos temperamentais, indisciplina
a rodos e até uma ratazana como companheira. Britt-Marie vê-se então
arrancada da sua zona de conforto e arrastada para a vida dos seus
concidadãos de Borg, uma estranha mistura de seres desesperados,
canalhas, bêbedos e vagabundos, sendo incumbida da impossível tarefa de
levar a equipa de futebol local, composta por várias crianças sem
qualquer tipo de talento para acertar numa bola, à vitória. E, quando um
dia Kent aparece a pedir-lhe desculpa, ela tem de decidir, de uma vez
por todas, o que realmente deseja da vida. Nesta pequena localidade de
gente inadaptada, pode Britt-Marie encontrar o lugar a que realmente
pertence?
Engraçado e comovente, perspicaz e humano, Britt-Marie esteve aqui
celebra as amizades inesperadas que nos mudam para sempre e o poder do
mais gentil dos espíritos, para tornar o mundo um lugar melhor.